Um poema à sexta...

AGORA AS PALAVRAS

Obedecem-me agora muito menos,
as palavras. A propósito
de nada resmungam, não fazem
caso do que lhes digo,
não respeitam a minha idade.
Provavelmente fartaram-se da rédea,
não me perdoam
a mão rigorosa, a indiferença
pelo fogo de artifício.
Eu gosto delas, nunca tive outra
paixão, e elas durante muitos anos
também gostaram de mim: dançavam
à minha roda quando as encontrava.
Com elas fazia o lume,
sustentava os meus dias, mas agora
estão ariscas1, escapam-se por entre
as mãos, arreganham os dentes
se tento retê-las. Ou será que
já só procuro as mais encabritadas2?


Eugénio de Andrade, O Sal da Língua, 2.ª ed., Porto,
Fundação Eugénio de Andrade, 1996


VOCABULÁRIO
1 ariscas – fugidias.
2 encabritadas – rebeldes.

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